QUE DIREITOS? QUE UNIVERSO? QUE HUMANOS?

Sinto-me um pouco fraca e algumas vezes a viver no meio de uma barbárie – chamada sociedade  um mundo de atropelos, um mundo por vezes desumanizado onde a grande diferença entre pobres e ricos é cada vez mais evidente.

Há longos 50 anos atrás foi assinada uma declaração pelos 52 estados que formam as Nações Unidas. Esta, foi redigida por um judeu René Carrim, uma protestante Eleanor Roosevelt e um libanês Carlos Malik.

Nasceu assim a Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Quero crer, portanto, que estamos defendidos quanto aos nossos Direitos!

Quero crer! Mas pensemos na sociedade em que vivemos: todos têm satisfeitas as suas necessidades económicas, sociais, culturais? Todos usufruem de um nível de vida digno? A todos é assegurada a saúde, a alimentação, o alojamento?

Todos podem esperar serenos a velhice, a invalidez?

Basta olharmos à nossa volta para sabermos que não. Sabemos que os nossos Direitos, os Direitos Universais do Homem que Declaração consagra, não nos são assegurados pela política das instituições que governam os estados.

É paradoxal, mas o conteúdo da Declaração dos Direitos Universais do Homem é um lugar vazio de humanidade, é letra; é uma data que merece notícia, é uma notícia que se repete. Dura um só dia. É efémera. Mas o meu ver e o meu sentir dispensam estas e outras efemérides.

Os pensadores chamam-nos a atenção para o facto de que, numa sociedade solidária, não podermos reivindicar um direito, se este esquece um dever.

Pensemos então na sociedade em que vivemos. Vivemos, de facto, de efemérides. E se todos os valores são passageiros, pergunto: terá o 50º aniversário da Declaração Universal dos Direitos do Homem, comemorada a 10 Dezembro, sido apenas lembrado nesse dia? O seu conteúdo deve ser pensado, contemplado, todos os dias. Se assim fôr, a tal barbárie talvez deixe de existir. Se assim fôr, talvez se gere uma sociedade mais justa, onde a defesa dos Direitos, Liberdades e Garantias individuais seja promovida dia a dia. A Declaração não deve ser um documento, mas uma reflexão constante, um instrumento da acção cívica. Em cada Direito há um dever que a todos nós diz respeito. Se não vejamos o artigo 22°, por exemplo, que diz:

“Toda a pessoa, como membro da sociedade, tem Direito à segurança Social; pode legitimamente exigir a satisfação dos direitos económicos, sociais e culturais indispensáveis, graças ao esforço nacional e à cooperação internacional e de harmonia com a organização e os recursos de cada País.” E o artigo 25 n°1 diz:

“Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar a si e à sua família, a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à sua alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda aos serviços sociais necessários, o direito à segurança quando desempregado, na doença, na invalidez, na viuvez, na velhice ou em outros casos de perda de meios de subsistência independentes da sua vontade.” É necessário, então, implementar projectos que defendam as necessidades básicas das populações. É necessário desenvolver acções de reconhecimento das potencialidades de cada cidadão, de cada cultura, de cada indivíduo, de cada ser.

Teresa Ricou
Ano: 1999

VONTADE GERAL E PLURALISMOS DE TODO O TIPO

Noite morna de Moçambique
e sons longínquos de marimbas chegam até mim
– certos e constantes –
vindos nem eu sei donde.
Em minha casa de madeira e zinco,
abro o rádio e deixo-me embalar…
Mas vozes da América remexem-me a alma e os nervos.
E Robeson e Maria cantam para mim
spirituals negros do Harlém.
«Let my people go»
– oh deixa passar o meu povo,
deixa passar o meu povo! -,
dizem.

Noémia de Sousa, em Nelson Saúte (org.), Nunca Mais é Sábado. Antologia de Poesia Moçambicana

A nossa expectativa em relação ao direito, à Justiça e aos direitos humanos mudou muito nos últimos 10 anos?

Sim. Mas mudou na esteira de Fukuyama ou daqueles que nunca acreditaram no real poder das democracias para varrer o mundo?

E o que dizer do osso das democracias, um esqueleto chamado Estado de direito? Ainda acreditamos que é um instrumento ao serviço da paz social, mesmo – ou até por causa – da complexidade que é o caos das relações humanas.

Citamos Castanheira Neves para demonstrar que o direito pode vir a ser um mero “sistematizador social da contingência” a que nos podemos resignar e aí será certamente “um precário esforço de ordem, de organização redutiva e de estabilidade na contingência”, mas não terá então aspirações de Justiça.

Por isso podemos dizer que as normas serão nesse caso “generalizadas expectativas contrafactuais” porque o que é jurídico acontece sem filosofia, sem problematizar a juridicidade ou precisamente “sem preocupações com a adequação ao caso concreto e aos critérios de decidir de que a justiça verdadeiramente trata”.

Trata-se portanto de termos de escolher entre o direito e o não-direito. Temos <<o direito ao direito>>? Ou temos o direito a teorias que só se podem pensar sob condições que elas próprias não oferecem?

 

Vera Martins
Dezembro /2024

 

Todas as citações foram retiradas da obra de António Castanheira Neves “Metodologia Jurídica. Problemas Fundamentais”, uma publicação da Coimbra Editora de 1993 (páginas 54, 55 e 56)