EM REDOR DESTA TENDA MÁGICA
O CIRCO é uma tenda suficientemente grande para nos receber, todos encostados na solidariedade da FESTA, e suficientemente pequeno para abrigar a criança que brinca dentro de cada um de nós.
É em redor desta tenda mágica que, em casas com rodas, vivem os homens, mulheres e crianças que travam a sua luta pelo quotidiano, pelo pão, pela faca com que cortando matam a fome de tudo, até de ternura. Eles são pessoas que, como tu, eu, nós, os outros, cheiram a gente, e a terra: faça chuva, faça sol, eles estão lá – são o espectáculo! A vida do CIRCO, o CIRCO da vida, a vida vivida dia a dia, hora a hora, por essas terras de norte a sul do mundo. Ele tem a luz da nossa árvore de Natal, a luz das velas daquele bolo de anos que desejamos, as cores das nossas colchas à janela naquele Domingo de Romaria, as cores das bandeiras das nossas festas. Nele é possível viajar ao contrário do tempo até à nossa infância. O CIRCO é feito de pano e não de pedra e cal ou de vidros finos.
A grande força do CIRCO é o movimento, andar de terra em terra, montar a sua tenda, levar a alegria, esconder a sua miséria, àqueles que longe, anseiam e têm de tornar a aprender a sorrir, a rir, rir, rir… LISBOA, ainda com sol, esperando um circo vivo.
Teresa Ricou
Setembro de 1987
Viver-juntos
Daí que a graça que tenham os artigos que escrevi, toda ela graças à graça que continuo a achar aos portugueses (tanto no sentido divino como terrestre), possa ser atribuída à estranha mistura de turista e indígena que eu, para mal dos meus muitos pecados, continuo a ser. A minha única consolação é que ainda estou por encontrar um português genuinamente português, tal como a causa destas coisas todas.
Miguel Esteves Cardoso, A Causa das Coisas
Penso em correr pensando em palavras. Quem diz «jogging» diz palavras? E podemos ir ao talho com um passo apropriado por uma geração ainda Herberto Helder? Sim, porque não o vimos falar e não o vimos morrer. E quantos de nós se atrevem agora a uns poemas?
O pão e as casas ainda nos atrapalham. Paremos criticamente, no aqueduto, a caminho da Vila Berta, subitamente escuro, proletário e uma pedra: uma Sé com outro formato. O que chamaremos às pessoas: povo ou gente? População, arraia miúda ou o social? Não há mero povo do outro lado, em Almada, só tamanhas aspirações.
Contemplando o Tejo, fazia-nos falta uma Casa do Minho que fosse simultaneamente zanga, registo e regato; onde se possa molhar os pés pressentindo o azul infinito e alentejano na Ribeira das Naus.
Olhem, aqui na Graça convivemos com o rugido da Natália Correia e, perante o miradouro, ao virar as costas, dizer «Sophia» comporta lágrimas; mas filhos virão, para seguir o que não vimos enquanto morávamos na Graça. Sentemo-nos solteiros e casados, nacionais e estrangeiros, sábios e néscios, numa sombra muito mais do que Sul.
Há futuro, podemos amar as crianças e a procura dos novos. Há um lugar na cidade, vamos ficar em redor, como se fôssemos viver-juntos à Graça.
Vera Martins
Fevereiro de 2023