SILÊNCIO
Viver em silêncio
Pensar em silêncio
Ouvir o silêncio
A precisão do gesto
No silêncio da Palavra
O silêncio dos que estão privados do mundo
Em hospitais e prisões
No alto mar
No interior dos campos
Nas aldeias mais recônditas
O silêncio da injustiça
O silêncio não poderá ser a ausência
Ou a negação de uma relação com o mundo
Somos educados para muito falar e pouco dizer
A Palavra deixou de ser um bem precioso
Foi açambarcada pelo excesso,
discursos vazios, rádios, televisões, comícios.
A Palavra passou a ser um
atordoamento de sonoridades
incomodativas, uma barulheira…
Daí que o silêncio se torne cada vez mais
urgente
O silêncio é de ouro.
Teresa Ricou
Outubro de 2015
S. Vicente de Fora
Falemos de casas, do sagaz exercício de um poder
tão firme e silencioso como só houve
no tempo mais antigo.
Herberto Helder, Ofício Cantante – poesia completa
Quem diria que, em São Vicente, se sentiria ainda nos dias de hoje um verde quente, de pedras quentes, limoeiros, uma tijoleira acolhedora, telhados doces, varandas e estendais próximos, o céu em diálogo, tantas roseiras…; sentir, por fim, um calor antigo.
Daqui sente-se embevecimento e horas terríveis.
Parecemos sós, não nos sentimos sós, olhamos para as escadinhas – dão para os terraços – parece uma aceitação silenciosa da solidão, o tempo renovado que não entendemos – quando somos mais novos que o nosso silêncio.
O perfume desta rural tranquilidade com roseiras contamina Lisboa inteira. Calçadas e telhados, pequenas folhas, musgos, os canteiros ladeados de chaminés, um cedro cheio de bolotas, e as pessoas que ao longe se ouvem tão bem – no urbano silêncio – quando olhamos as roseiras.
Vemos um pomar de limoeiros perto do Castelo! Caminhos de terra como na aldeia, e a partir daí, uma gigante ternura em tantas mansardas. Uma cidade de telhados a conquistar-nos e a preterir-nos gerações adentro.
Percebemos que antes havia menos – menos de tudo: gente, justiça, saúde, tecnologia e ansiedade – mas vemos o mesmo: gente, ruas, eléctrico, escadinhas, cinema a preto e branco, e o verde mais perfeito nas árvores, as árvores mais elegantes e nuas que estão nas cidades. Destemidas, figuras verdes.
A valiosa Lisboa, com a sua vida dulcíssima, que esteve nos nossos olhos, evapora-se e fixa-se no Centro de Estudos Judiciários, no Castelo, no Panteão. E nos poetas solitários que por aqui deambularam, e nos deixaram com as suas construções de poesia por edificar.
Vera Martins
Janeiro de 2023