Sábado, 25 de Fevereiro

 Vê-se que é sábado de manhã. Há uma despreocupação ligeira no andar, uma alegria leve, outra coisa nos semblantes.
Deixo-me ir na onda e subitamente ela traz-me a presença de Teresa Ricou – Teté – encabeçando uma minúscula multidão de cara pintada, num insólito desfile, Chiado abaixo, de personagens saídas de um circo.
Com a poesia (triste) de Teté e um pouco do pragmatismo (saudável) de Teresa Ricou, ela abandona por uma fracção de segundo os seus companheiros, vem direita a mim, entrega-me um papel impresso com um sorriso aceso a dançar-lhe na cara branca. É um anúncio-informação da Escola de Circo.
Mas o que importa é que se trata de muito mais do que isso. É a alma de meia dúzia de pessoas, Teté à cabeça, a lembrarem que existem, a reivindicarem um quinhão de terra, um pedaço de atenção, um pouco de sol na água fria da indiferença geral pelo mundo do circo.
Não sou uma boa espectadora de circo. Relembro ainda e quantas vezes relembro, quando, com 4, 5, 6 anos abandonava sorrateiramente o camarote e as minhas irmãs e vinha, sozinha, para os longos corredores do Coliseu, respirar outro ar: não suportava a melancolia morna que emoldurava todo o espectáculo, tinha medo que os trapezistas se estatelassem no chão, que o leão comesse o domador…
Nesta manhã solta de sábado é nisto que subitamente penso num assomo de nostalgia. Mas não é por isso que deixo de sorrir de encorajamento a Teresa-Teté, e à sua fé optimista, nem de pensar com profunda simpatia nas dezenas de modestos circos semiescondidos pela província, sem recurso, sem estímulo, sem dinheiro, quem sabe se sem aplausos…

Maria João Avilez in “Suplemento Cultura”, Diário de Notícias, s.d.