Paris, em 1973… ainda antes de Abril!

O brilho de um punhado de noites não garante coisa alguma. O próprio Circo Amar irá à falência tempos depois. Teresa pega como Palhaço-Augusto e trabalha noutras companhias, modestas, de província, mas, nos intervalos das temporadas, não deixa de vender jornais, de trabalhar na construção civil, de fazer vindimas. Nas campanhas rurais descobre o mundo sindical, conhece mais revolucionários, urbanos idealistas que escolhem sujar as unhas na terra ou na fábrica para ombrearem com os camponeses, com os operários. Em Paris, vive numa casa comunitária com outros artistas, com outros exilados, brasileiros escapados, sucessivamente da ditadura militar do Brasil e do Chile pós-Allende, do Chile de Pinochet. Com Nuno, são a sua família parisiense. Entre este punhado de amigos do tempo de Vincennes, do grupo que levara para Gentilly, contava-se Sílvio Tendler, que viria a tornar-se um cineasta de referência no Brasil democrático. Teresa, demasiado livre para se alinhar com os maoístas ou, até, com os anarquistas, sorve do caldo geral. Zeca Afonso, que conhecerá em Paris, terá nela uma influência determinante. Está feita uma esquerdista radical, ainda simpatizante da LUAR. Mas sem partido. Os dois anos e meio de França consolidam em Teresa o amor pela liberdade, iniciam-na profissionalmente nas artes do espectáculo, devolvem-lhe a resistência à adversidade e, acima de tudo, afinam a sua percepção de como é ingrata a vida dos artistas de Circo e de como todos podem beneficiar com «o maior espectáculo do mundo». Sobretudo as crianças. Acima de tudo, as crianças que sempre a mobilizaram – aquelas para quem parece não haver lugar.

(Excerto do livro Estória da Pré-história do Chapitô 1946-1987, publicado em 2009 e coordenado por Maria João Brilhante com a colaboração de Maria João Vicente e Alda Ribas. A biografia de Teresa Ricou foi elaborada por Paula Moura Pinheiro.)

Crianças, os terceiros fora do jogo político

Nas crianças podemos ver os terceiros sem rosto, sem voz na sociedade, mas cujo rosto se impõe e impõe respeito pela grandeza maior da infância. Esses rostos provocam-nos com a infinita dignidade de cada pessoa que nasce. Estas crianças, esses terceiros – porque não são nem Nós nem o Outro do nosso dia-a-dia tribal e produtivo – são terceiros que estão fora do jogo político mas não estão fora da acção de proximidade de alguns (de algumas Teresas), nem nunca estarão fora da reflexão dos filósofos, nem dos caminhos múltiplos das Artes. Se a Arte estimula a pluralidade de pontos de vista – alimentando a criatividade social da Humanidade – a Reflexão Filosófica conseguiu, por via das instituições, organizar o conflito democrático. Para que um dia houvesse Chapitô com imaginação constituinte.

Vera Martins