O CIRCO É UMA RESPIRAÇÃO RASGANDO A TERRA
O Circo junta-nos a todos! Ele é redondo como o mundo!
Os valores que partilhamos dão-nos a dimensão humana, na igualdade e na diferença, na determinação e, com toda a coragem, na concretização do dia-a-dia profissional e pessoal de cada um de nós. Com a certeza de que estamos a contribuir para uma sociedade melhor.
Quando se faz Circo, exige-se a verdade!
O Circo, esta arte milenar, não é um artifício, não tem truque, não é habilidade, é um enlaçar de movimento de “forças combinadas”, entre o chão e o universo, uma respiração rasgando a terra, com toda a leveza e perfeição.
O Circo não exclui nada nem ninguém, antes pelo contrário, ele provoca e desafia cada um a mostrar as suas capacidades, pois que todos somos capazes!
O Circo constrói-se e aí vamos nós, seduzidos pelos grandes voos, na leveza de pequenos e grandes trajectos, ao som de música e narrativa.
Ora a solo, ora fazendo parte de um colectivo, tudo vai dar ao Circo, na descoberta, na criação, na forma e no pensamento, deixando que o corpo nos leve ao impossível na Alegria, no Humor e na Dor.
Teresa Ricou
Setembro de 2016
A Mecânica da Imaginação nas Comunidades
Em todas as disciplinas, a teoria é colocada acima da empriria, da experiência. Quanto mais célebres ficam os cientistas, mais «teóricos» se tornam.
Pierre Bourdieu, Sobre o Estado – Curso no Collège de France (1989-1992)
Em todos os tempos quisemos ver o Futuro, ou pelo menos, ter, na nossa mão, dados mais simples e nítidos sobre o presente que nos ajudam a não ter medo do Futuro ou até a preparar o Futuro. Mas queremos conhecer o Futuro ou construir o Futuro? Queremos captar a mecânica da Vida? Como compreender – melhor – a Vida?
Sabemos que dentro de nós a vida não acontece às postas, fatiada, arrumada em caixas ou disciplinas científicas. A vida é total, mas como aceder à Totalidade? Preferimos lidar com regras que são organizadoras – regras parciais, rígidas, abstractas, replicáveis. Regras que são meramente racionais.
No Circo houve e há coragem para aceder à Totalidade: espreitá-la, vislumbrá-la! O espectáculo com Rigor, Espanto, Riso e Imaginação não se quis refém da racionalidade, de tendências psicologizantes, de muita explicação.
Alguns, levaram a experiência mais longe. O Circo dos Muchachos, na Galiza, foi uma cidade do Circo e criou moeda própria! Começou com biblioteca, oficinas, escola, residência, cantina e mais tarde também supermercado, padaria, piscinas, teatro, igreja, uma clínica e até uma bomba de gasolina. Teve a única Escola Internacional de Circo – para além da de Moscovo – a qual fazia parte de uma utopia que correu o mundo com o Circo dos Muchachos!
O Chapitô, um projecto/Casa/ONG que actua nas áreas da EDUCAÇÃO – CULTURA – ACÇÃO SOCIAL tece uma economia social e cultural com o Bartô, restaurante Chapitô à Mesa, sector de produção e eventos, integrados num todo que começou há 40 anos a trabalhar com os jovens e que hoje desagua em mais trabalho com os jovens seja na Escola Profissional de artes e Ofícios do Espectáculo – a nossa Escola de Circo – seja nos Centros Educativos, não esquecendo o apoio ao longo do caminho por parte dos Ministérios da Justiça, Educação e Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Câmara Municipal de Lisboa e muitos outros. No Chapitô acontece todos os dias a progressão da vida com crianças pequenas, os espectáculos regulares com séniores que nos engrandecem, oficinas em plena actividade que são um motor na realização dos figurinos e adereços , uma Tenda repleta de programação cultural, Residências Artísticas, Tertúlias com cruzamentos culturais, geracionais e disciplinares. Uma Utopia que fará 50 anos a espalhar-se a partir da Costa do Castelo! E avança pelo mundo através dos seus alumni!
A experiência do Chapitô existe e é anterior ao pensamento e à reflexão – e «Experiência» é um termo que Goethe terá cunhado por via do plural «Erlebnisse». A experiência do Chapitô é captar todos os dias a vida nos termos da própria vida. A ambição de captar a vida e fazer a vida progredir sem aderir ao Poder porque a Criação é que é o Poder. Como nos dizia aqui numa tertúlia do Chapitô, Helena Roseta, há um combustível insubstituível que se chama energia social, e é a esse que estamos atentos, atentos a esta energia primária sustentável; haverá sempre vontade de expressão artística múltipla: dança, magia, trapézio, clown…
Se começamos a não encontrar sentido nas sociedades do Ocidente – e a perder a força intrínseca da democracia – é porque encontramos apenas poder e não um sentido nos acontecimentos. Implementemos então uma lógica de Circo, em que a diversidade das partes e das capacidades constrói um trajecto comum, um espectáculo comum! E que seja a mecânica da imaginação a dar-nos um número novo! Na obra de arte (e na vida!) não há imitações e a causalidade que nos interessa enreda-se em Rigor, Riso, Espanto e Imaginação. Queremos um número novo para a reconstrução do mundo social.
Vera Martins
Setembro de 2022