MÁRIO CESARINY
100 anos são muitos anos de Cultura, a não esquecer, a saudar com esse Poeta da Liberdade, que dançou entre o modernismo do século XX, o neorrealismo e o surrealismo, um contestatário atento e permanente. Tenha sido o que ele desejou, porque se cumpriu e foi um intelectual de altíssima craveira. Tive o privilégio de o conhecer e de privar com ele, como grande companheiro de madrugadas boémias do Bar “Bolero” no Martim Moniz, o “Bric à Bar” à Rua de S. Marçal (com a saudosa D. Lurdes no bengaleiro). Eram noites hilariantes, com um grupo de amigos – Lagoa Henriques, Alexandre O’Neill, Natália Correia, Cardoso Pires, José Escada (pintor) e tantos outros – era um caldo de cultura que alimentava a amizade entre todos e nos fazia pensar a vida. Na época, lá pelos anos 68 e tal, a vida não era fácil – Salazar não descansava enquanto não nos punha todos “na ordem”! Eu era uma ave de arribação, divertida, de bem com a vida e com toda a energia necessária para intervir socialmente, quando fosse necessário. Havia nessa época uma ligação verdadeiramente solidária, o inimigo era o mesmo, havia que deitar abaixo o regime fascista. Lutando pela justiça social, lá estava sempre eu, e o Mário apoiava e apreciava a minha energia positiva e o meu sentido de humor… (já os palhaços pairavam pelo ar!…). Nesse fecundo tempo, a convocar futuros de liberdade, fizemos um excelente trabalho, e o país não pode esquecer a memória deste grande homem. Tenho saudades de me rir com ele e de até poder dar azo à minha imaginação, contando umas asneiras que ele me estimulava – era um homem muito incisivo e contido, pois que sabíamos que estávamos sempre a ser observados pela PIDE. Tenho saudades tuas, Mário. Gostava de te ouvir hoje, entre máquinas e inteligência artificial, aí à espreita… Quem se serve hoje do sabor das letras?
Teresa Ricou
Setembro/Outubro 2023
ODE A UMA FALSA ACÁCIA
Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco
conheço tão bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados que eu ando
a limitar a tua altura
e bebo a água e sorvo o ar
Mário Cesariny, Pena Capital
A esplanada do Chapitô é um centro, uma praça, uma extensão de uma casa aberta num bairro antigo, uma extensão dos corpos em treino, da nossa educação, das nossas refeições, do nosso trabalho, da nossa cidade e das nossas vidas – a realizarem-se como a nossa Arte. O Circo circundante, uma vez mais e sempre, é uma Totalidade agregadora. Uma Utopia, uma Economia, uma Sociedade. Ali está a acompanhar-nos neste espaço uma serena Robinia, uma falsa Acácia ou pseudoAcácia: uma exótica, florida e frutuosa nossa Acácia. Uma sereia verde que seduz o Tejo com a sua nudez, com a sua pureza alta, atenciosa. Tejo e Robinia conversavam quando ficava de noite? O Tejo e a nossa árvore portentosa, gigante e vigilante. Enraizada no Castelo de São Jorge, a árvore invisível espreitou a nossa imaginação, agitação e construção de todos os dias. O que ouviria à noite? Quase 50 anos de construção connosco – uma hospitalidade radical – com raízes – uma vida verde e ancestral a acompanhar-nos.
Aqui estamos agora olhando a Robinia, meio amputada pelo temporal, mas sorvendo e sugando Cesariny.
Vera Martins
Novembro/2023