GERAR UM OUTRO MUNDO
BASTA!!! Se conseguimos gerar um filho, também conseguimos gerar um outro mundo, mais justo, mais solidário, com uma melhor gestão.
Não faz sentido que, em pleno século XXI, ainda exista esta desigualdade entre o homem e a mulher, assim como é inadmissível falar em deveres de uns e de outros.
Com uma atitude positiva, mudar-se-á certamente a actual sub-representação das mulheres na intervenção politica, social e económica. Mas sempre com uma dignidade e uma sabedoria feminina, própria de quem tem o instinto da maternidade.
Os nossos afectos, os nossos gostos, as nossas sensibilidades, as nossas praticidades de todos os nossos sentidos – incluindo o sexto – podem proporcionar outras vidas, outros mundos. Estejamos nós sozinhas. Ou acompanhadas.
Não esqueçamos que as mulheres representam mais de metade da população do mundo, enormes capacidades, talentos absolutos. A presença destas nos lugares de decisão corresponde a uma verdadeira democracia.
É nossa responsabilidade a tomada de consciência do nosso valor próprio. Urge assumirmos um papel que implique e que decida a mudança nos diversos campos da sociedade seja na educação, seja em casa: seja na rua, nos campos de batalha, nos hospitais, nos grandes centros de decisão, nas artes, na cultura, no dia-a-dia. Na política social, geral e de base. A educação e a cultura são os alicerces de um Povo. Onde acontecer, elas, as mulheres, deverão lá estar!
Não temos que, constantemente e de forma pertinente, reclamar os nossos direitos. Enquanto actores sociais intervenientes, ainda é preciso sensibilizar as pessoas, ainda é preciso sensibilizar as pessoas para as questões das mulheres e para a necessária participação destas nas decisões. Basta!!!
Apesar de todas as suas fragilidades (os homens também as têm, ainda que envoltas por um pomposo machismo), a Mulher tem que ser uma “guerrilheira” e não se deixar levar pelas suas “maleitas”. Tem que se confrontar com as suas fraquezas e com o mundo, de uma forma saudável e firme. Objectiva e afectuosa. Naturalmente, tudo será mais fácil se existir uma cumplicidade solidária entre parceiros.
Da “Lógica de Governação Doméstica” as mulheres fazem decorrer práticas especialmente compreensivas, persistentes e subtis, como já acontece – basta olhar o mundo socialmente excluído.
Acontece que a desenvoltura desta lógica, quando obsessiva, se revela especialmente pertinente para as manobras de quem se propõe trocar as voltas ao destino. Ou não fosse a vida feita de pequenos nadas. As mulheres são verdadeiras Malabaristas nas suas economias domésticas, é um modelo a traduzir na economia desabrida de um País.
As grandes mudanças fazem-se a partir de pequenas mudanças. Há que começar a criar estruturas de apoio familiar, com a respectiva dimensão humana, capazes de apoiar e tranquilizar a necessária intervenção – da mulher, da mulher e do homem, dos homens, das mulheres – para a construção de uma sociedade que precisa da realização de cada um, para a Grande Mudança.
Teresa Ricou
Março de 2021
Nós, as filhas
Avec ta fille et son ami nous sommes allés deposer sur ta tombe un bouquet de bruyère aussi léger qu’un nuage.
Christian Bobin, Autoportrait au radiateur
As incríveis mães, atarefadas, que se punham inabalavelmente coquettes ano após ano, mantiveram tudo isto a girar com uma certa graça. Sobretudo no Natal.
Fizeram-nos, na infância, arroz de tomate, fanecas… Algumas apareciam com um arroz de marisco! Ou uma cabidela… Algumas, poucas, impressionavam com um bolo-rei pelo Natal! Tudo caseiro. Imaginemos a alegria de pensar numa prole bem alimentada. Uma prole mais ou menos extensa que não podia passar sem a sua comidinha caseira. Essa juventude desespera agora por tascas e, em sonhos, vê a mãe aproximar-se de avental. Se não for a própria mãe é a mãe de uma amiga a sair da cozinha com comida a ferver, a queimar.
Aquelas mães convidavam as amigas das filhas para almoçar. Estas mães fazem muita falta – a não ser que alguém – nós? – nos transformemos nelas. Sim, com adaptações. Terá de haver sempre alguém que diga que é importante fazer um arroz de grelos, um arroz de feijão ou um arroz de cenoura e, naturalmente, chegar ao patamar máximo de executar uma torta de laranja ou umas rabanadas no Natal.
Com estes bons exemplos, não se pode actualmente e absolutamente passar uma semana sem fazer sopa, encontrar um bom peixe, e proporcionar, nas férias de verão, uns carapaus e sardinhas na grelha a uma mesa com mais de quatro pessoas. Nos dias frios, em dias especiais claro!, pensa-se num cozido, com tudo escolhido a dedo num talho em que os funcionários sejam já nossos conhecidos de longa data: tão comedidos nas palavras quanto conhecedores do seu ofício.
A partir de 2023, não se poderá nunca neste carente país passar dois dias sem fazer uma boa salada em casa. Esta é uma lição: com a mesma determinação com que nos implementaram um quotidiano com boa comida, as mães desafiaram o rame-rame político e não se resignaram com guerras que parecem já não interessar a ninguém.
Conseguem, ainda assim, continuar alegres e vão, sozinhas ou acompanhadas, comprar legumes ao Sábado. Se ainda estiverem vivas, convidem estas mães – que antes punham um vestido sem costas para ir beber um copo nos anos 70 – a espreitar um pequeno restaurante novo. Levem-nas a almoçar, beijem-nas pelo Natal! Com uma turrinha tuga, será um agradecimento muito especial.
Vera Martins
Novembro de 2022